segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Quando comecei este blog estava com preguiça

Estava com sono e com preguiça e a pensar:
- "Que sei eu?"


Quando vinha das compras, passei numa paragem de autocarro. Eu vinha carregadíssima, está muito calor e eu estou na minha 32ª semana de gravidez, do meu segundo filho.
Na paragem estava um rapazito, com os seus 5 anos talvez, magrito, limpinho, com ar de reguila. Estava sentado torto, virado para trás a fazer caretas e a ver-se reflectido no vidro da paragem de autocarro.
Quando eu passei carregada, provavelmente vermelha, a bufar de calor, despenteada, e com muito pouco charme, ele transferiu as caretas no vidro para caretas que me fez a mim, um pouco por eu ser uma pessoa, mas não ser ninguém.
A mãe, sentada de costas para mim, estava irritada com a agitação do rapazito, estava irritada porque estava irritada e o rapazito fazia parte dessa irritação e faria sempre, fosse por estar demasiado parado, ou demasiado mexido.
Eu não a vi bem, mas sei que era uma mulher, que estava a tentar, que estava a fazer o melhor possível dentro do que lhe era possível.
O rapazito, era apenas um miúdo de 5 anos, a fazer caretas numa paragem de autocarro. Já nem me lembro bem como era o seu rosto.
A mãe zangou-se, ralhou, puxou, ele deixou-se puxar tornando a sua careta ainda mais careta e nesse esgar desafiou-nos a ambas, fazendo na mímica do seu tamanho de menino, a careta de zanga, cansaço e limite de forças, que eram afinal as nossas.

Vinha ainda com o carrinho das compras a pensar nisto, ou a sentir isto, e achei que não podia ter preguiça.
Aquela careta está por todo o lado, em muitas versões da mesma consciência que repete em muitas vozes e silêncios, que é altura de devolver à infância o seu devido encantamento, para que ela possa perdurar na nossa química, e na nossa imagem de nós mesmos, como esse encantamento apaixonado que devia bastar para definir o que significa ser pessoa e estar vivo.

Sem comentários:

Enviar um comentário